A Retórica Aristotélica
Na vida em sociedade, o homem é levado a escolher, convencer, acusar, defender-se e decidir, e a retórica, definida por Aristóteles como “a faculdade de descobrir em todo assunto o que é capaz de persuadir”, é a mais antiga disciplina relacionada à linguagem e à ciência do discurso. Remonta ao século V a.C e era entendida, originariamente, como arte da eloqüência, da persuasão, e portanto caracterizada pelo seu aspecto pragmático. O gênero só se desenvolveu plenamente após a consolidação da democracia ateniense. Todos os cidadãos de Atenas participavam diretamente nas assembléias populares, que possuíam funções legislativas, executivas e judiciárias.
A educação grega consistia fundamentalmente de três coisas: ginástica, música e retórica. Professores de Retórica iam de cidade em cidade procurando os jovens membros da classe dominante para lhes ensinar esta arte, com a qual poderiam ingressar na carreira política. Um destes professores foi Sócrates, considerado pai da Filosofia. Outro foi Platão, que considerou apenas o caráter manipulatório do gênero, não enxergando nele nenhum ponto positivo.
Aristóteles de Estagira tinha 18 anos quando entrou para a Academia Platônica. Logo se destacou como um dos melhores alunos e foi incumbido de dar uma parte das aulas, o curso de Retórica. Ele logo dominou esta ciência, muito disseminada na época, e foi um dos primeiros a fazer dela uma especulação teórica.
Até então, a retórica até era apenas transmitida como técnica, como prática, e alguns levavam a vida inteira para dominar esta arte, que era a chave das ambições políticas. Aristóteles dominou-a prontamente e começou a especular teoricamente.
"Por que o argumento persuasivo é persuasivo?"
"Por que um argumento logicamente fraco ou absurdo convence as pessoas, e outro que é razoável não as convence?"
Assim como Sócrates, Aristóteles percebeu que os oradores às vezes conseguiam convencer as pessoas de coisas perfeitamente absurdas. Sócrates limitou-se a demonstrar que essas idéias eram absurdas, por mais persuasivas que parecessem. Aristóteles passou a investigar as causas dessa capacidade de persuasão, formulando a ciência da Retórica como uma verdadeira Psicologia da Comunicação. Ele não apenas sabia produzir argumentos persuasivos, mas também conhecia os princípios teóricos em que se baseavam os adversários: assim, aos vinte e poucos anos ele tornou-se uma espécie de terror dos demais retóricos, já que desmontava todos os argumentos deles com a maior facilidade.
Em seu livro Ars Retorica, ainda hoje lido e utilizado largamente, Aristóteles classificou a retórica em gêneros, de acordo com o objetivo a que se propõe: pode ser deliberativa, se o auditório tiver que julgar uma ação futura (utilizada dentro da política); judicial, se o auditório tiver que julgar uma ação passada (utilizada nos tribunais); e epidéitica, também dita ‘de exibição’, se o auditório não tiver que julgar ações passadas nem futuras (utilizada em eventos sociais, normalmente fazendo o elogio de alguém ou de algo, ainda que isso seja um mero pretexto para o orador brilhar).
Para Aristóteles, o discurso é composto necessariamente de no mínimo quatro elementos: exórdio, enunciação da tese, prova e epílogo. O exórdio e o epílogo eram decorados, e as demais partes (enunciação da tese e prova) eram improvisadas.
Para criar um meio de prova, usava-se formas artísticas ou não-artísticas. Meios de prova não-artísticos são as provas em sentido estrito, as evidências concretas, tais como testemunhas ou documentos. Meios de prova artísticos são os argumentos inventados pelo orador, e podem ser de três tipos: aqueles derivados do caráter do próprio orador, que empresta sua credibilidade à causa (ethos); aqueles em que o orador procura lidar com as emoções do auditório (pathos); e aqueles derivados da razão (logos).
Os argumentos lógicos se apresentam sob duas formas: induções, ou uso de exemplos; e deduções, chamadas em retórica de "entimemas". O entimema, ou silogismo retórico, é aquele tipo de silogismo em que as premissas não se referem àquilo que é certo, mas àquilo que é provável, e tem importância fundamental para a retórica, já que na maioria dos casos em que estão em jogo assuntos humanos nem sempre se pode basear a argumentação apenas naquilo que é verdadeiro, mas apenas no que é verossímil.
Aristóteles é visto na história da filosofia como o filósofo que estabeleceu o tipo de racionalidade praticada no Ocidente. Dentro da obra aristotélica, devemos destacar a importância atribuída por ele ao conhecimento do auditório e seu pioneirismo: foi o primeiro a reconhecer claramente que a retórica, em si mesma, é moralmente neutra, podendo ser usada para o bem ou para o mal.
Aproximando Aristóteles da Publicidade
A retórica é, no dizer de Aristóteles, a capacidade de descobrir o que é atrativo para seu público. Parte, assim, de um inquérito, de uma investigação sobre os artifícios da articulação e ordenação do discurso (idéia e palavra) pelos quais os falantes/emissores de outras linguagens, estruturam e reforçam as mensagens que emitem.
A publicidade expressa-se pelo apelo ético, que é o do discurso sobre os atributos, capacidades e comportamentos, reais ou supostos, do seu objeto (bens de consumo), ou seja, uma tripla especulação sobre o ethos das mercadorias e o ethos dos emissores da mensagem, (estes, desdobrados na dupla figura do anunciador -que figura na peça publicitária - e do anunciante que a encomendou), e baseada na performance do segundo e na credibilidade do terceiro (ETHOS).
O seu compromisso (velado) com a esfera do social não a leva a confundir-se com a propaganda, que se enquadra num apelo retórico distinto: o patético, do sentimento/sofrimento, que invoca e incute emoções fortemente positivas e negativas na sua audiência (PATHOS).
Estes dois apelos contrastam com um terceiro, o apelo lógico, o do raciocínio e da argumentação (LOGOS), que intenta estabelecer uma relação ‘necessária’ entre postulados, forçando conclusões a partir de premissas.
Por definição, a publicidade não argumenta, seduz. Não apaixona, atrai e deleita. E daqui decorre um critério para a pureza do(s) discurso(s) publicitário(s): o predomínio da valorização qualitativa da mercadoria em detrimento das apreciações passionais ou lógicas, ainda que não se excluam completamente o recurso mitigado a estímulos emocionais e a presença ocasional de entimemas e de paralogismos.
Definido o seu apelo retórico, resta a questão do gênero retórico a que a publicidade pertence, e dos lugares próprios deste. Dos três gêneros retóricos (o judicial, o deliberativo e o epidíctico), o discurso publicitário pertence claramente ao último:
- De acordo com a distinção aristotélica dos públicos, o destinatário não toma parte componente no discurso, limitando-se a assistir ao espetáculo da mensagem;
- Está em jogo exclusivamente o talento e a capacidade do orador, e não sua vida (característica do gênero deliberativo) ou de terceiros (gênero judicial);
- Não existem contraditores, estando o seu discurso desse modo privado dos elementos dramáticos próprios dos outros dois gêneros, ou seja, não se constitui enquanto argumentação;
- O seu requinte, esmero e superior beleza são possíveis precisamente por ser um discurso preparado com antecedência pelo seu autor, e não nascido do imediatismo do debate e confronto que condicionam os outros dois gêneros;
- O seu lugar próprio são as qualidades das coisas e as suas características (qualidades das pessoas ou cidades, na maioria da epidíctica antiga; e dos bens de consumo, na publicidade), enquanto as idéias constituem a matéria prima do gênero deliberativo, e os fatos o objeto do judicial;
- O seu tempo próprio é o presente, ocupando-se o judicial do passado e o deliberativo do futuro.
Assim, a publicidade é fundamentalmente um discurso epidíctico, no sentido de que mostra, aponta, anuncia, exibe - torna público. Dentro deste gênero, costuma centrar-se no apelo ético que incide sobre as características e o comportamento (ethos) de algo (produto ou serviços). Não tem por função informar o público nem tampouco comovê-lo ou instruí-lo. Pretende, isso sim, exibir o seu objecto, o que levou os retóricos gregos a considerar este tipo de aplicação da retórica como ostentatória e gratuita, apesar de reconhecerem a finalidade prática desses elogios.
Aristóteles listou os “lugares comuns” do discurso epidítico, e que a publicidade ainda hoje utiliza. Eles incluem-se nos recursos da ampliação (“auxese”) e podem ser divididos em:
- Origens (a marca e a sua tradição)
- Faz muito...
- É o único que faz...
- O seu tempo próprio é o presente, ocupando-se o judicial do passado e o deliberativo do futuro.
Assim, a publicidade é fundamentalmente um discurso epidíctico, no sentido de que mostra, aponta, anuncia, exibe - torna público. Dentro deste gênero, costuma centrar-se no apelo ético que incide sobre as características e o comportamento (ethos) de algo (produto ou serviços). Não tem por função informar o público nem tampouco comovê-lo ou instruí-lo. Pretende, isso sim, exibir o seu objecto, o que levou os retóricos gregos a considerar este tipo de aplicação da retórica como ostentatória e gratuita, apesar de reconhecerem a finalidade prática desses elogios.
Aristóteles listou os “lugares comuns” do discurso epidítico, e que a publicidade ainda hoje utiliza. Eles incluem-se nos recursos da ampliação (“auxese”) e podem ser divididos em:
- Origens (a marca e a sua tradição)
- Faz muito...
- É o único que faz...
- Foi o primeiro a fazer...
- Está entre os poucos que fazem...
- É o que faz mais...
- Está entre os poucos que fazem...
- É o que faz mais...
- Não se esperava que fizesse tanto...
- Estabeleceu um padrão de comportamento...
- Recebeu um prêmio.
Quando não há motivo bastante no próprio produto para o seu elogio, ele normalmente é comparado com as carências e defeitos da concorrência.
Um anúncio pode fugir a essa regra, no sentido de usar um apelo e gênero distintos, empregando um argumento lógico (“eficácia comprovada”, “mais 20% de quantidade pelo mesmo preço” ou “melhores resultados em testes face à concorrência”), argumentos estes que seriam fatos objetivos, pertencentes ao domínio do gênero judicial, que se fundamenta em “provas”, e não ligados a um apelo ético.
Alguns produtos não se utilizam do gênero epidítico nem do judicial: ao invés de empregar argumentos lógicos, apelam para a emoção do público. Assim, um amaciante de roupas pode fazer menção às Ilhas Gregas, estabelecendo uma essência não-argumentativa da publicidade e transformando-a num espaço da conotação orientada para o escapismo e a fuga, associando-a a sugestões oníricas de viagem, luz, calor, todas inapropriadas para vender um amaciante do ponto de vista estritamente lógico.
Quanto mais falível é um produto, menos o apelo ético é usado (até porque a performance da mercadoria poderia não corresponder de todo às promessas do anúncio), e mais as persuasões lógica e paralógica são tentadas. Um produto duvidoso aposta na informação, na explicitação, no anúncio não-publicitário; um produto já estabelecido pode e deve limitar-se à arte e ao show.
O problema da eficácia da publicidade é uma questão ociosa para a retórica, que estuda o seu fascínio e não as suas consequências, comerciais ou mentais, desejadas ou não, previstas ou imprevistas. Há receitas seguras para bons anúncios, mas não há receitas infalíveis para boas vendas.
- Estabeleceu um padrão de comportamento...
- Recebeu um prêmio.
Quando não há motivo bastante no próprio produto para o seu elogio, ele normalmente é comparado com as carências e defeitos da concorrência.
Um anúncio pode fugir a essa regra, no sentido de usar um apelo e gênero distintos, empregando um argumento lógico (“eficácia comprovada”, “mais 20% de quantidade pelo mesmo preço” ou “melhores resultados em testes face à concorrência”), argumentos estes que seriam fatos objetivos, pertencentes ao domínio do gênero judicial, que se fundamenta em “provas”, e não ligados a um apelo ético.
Alguns produtos não se utilizam do gênero epidítico nem do judicial: ao invés de empregar argumentos lógicos, apelam para a emoção do público. Assim, um amaciante de roupas pode fazer menção às Ilhas Gregas, estabelecendo uma essência não-argumentativa da publicidade e transformando-a num espaço da conotação orientada para o escapismo e a fuga, associando-a a sugestões oníricas de viagem, luz, calor, todas inapropriadas para vender um amaciante do ponto de vista estritamente lógico.
Quanto mais falível é um produto, menos o apelo ético é usado (até porque a performance da mercadoria poderia não corresponder de todo às promessas do anúncio), e mais as persuasões lógica e paralógica são tentadas. Um produto duvidoso aposta na informação, na explicitação, no anúncio não-publicitário; um produto já estabelecido pode e deve limitar-se à arte e ao show.
O problema da eficácia da publicidade é uma questão ociosa para a retórica, que estuda o seu fascínio e não as suas consequências, comerciais ou mentais, desejadas ou não, previstas ou imprevistas. Há receitas seguras para bons anúncios, mas não há receitas infalíveis para boas vendas.